Dona Maricota é a típica senhora que costumamos classificar como uma daquelas que "ficou pra titia". Não se casou, não teve filhos e muito menos netos. A única parenta viva mora a quilômetros de distância e ainda assim, por levar uma vida desregrada, Dona Maricota preferiu manter-se afastada. Aposentada, sua única diversão é tirar o pó dos móveis de seu apartamento e jogar paciência com o baralho de papel que ganhou no Mercadinho do Tio Tonho. Horas e horas a fio organizando as cartas para depois virar uma a uma até comemorar mais uma vitória.
Mais um domingo em casa.
Mais um domingo sentada em seu sofá, assistindo o Fantástico.
Mas, no corredor um barulho chama sua atenção.
- Deve ser aquele moço esquisito chegando com a namoradinha. Como pode? Uma mocinha tão simpática namorar um rapaz tão sem jeito?
Dona Maricota não conseguia se esquecer do dia em que flagrou o tal "rapaz sem jeito" atendendo o entregador de pizza com apenas uma toalha enrolada na cintura. Para ela, tal comportamento denunciava um caráter desleixado e suspeito. Logo, ela não conseguia compreender como a "mocinha de sorriso simpático" era capaz de namorar aquele sujeitinho.
Sem demora, correu para a porta para observar pelo olho mágico o que seria aquela movimentação suspeita. Quando viu o que havia no meio do corredor, seu sangue gelou...
- Sempre suspeitei daquele mal encarado! Meu Deus!
Ali, bem em frente ao apartamento 207, uma mala preta. Dentro dela, Dona Maricota contava como certo:
- Boa coisa não é!
Mil coisas se passaram pela sua cabeça, talvez influenciada pelas recentes notícias divulgadas na TV - chegou a temer pela moça simpática.
- Meu Santo Ignácio! Pobrezinha!
Como não havia movimento no corredor, aproveitou, abriu sua porta e correu para o apartamento da outra vizinha, virando o corredor à esquerda.
- Celestina, criatura de Deus! Tem uma mala no meio do nosso corredor! Se achegue e veja! Foi aquele moço! Eu vi tudo, mulher!
Estava histérica, a pobre. Já Celestina, tinha a cabeça feita, fora casada duas vezes! Não teve filhos, mas sabia muito bem que a juventude é sempre transviada...
- Calma, senhora... É só uma mala!
- Só uma mala? Onde você vive, Cristo?! Só uma mala... Onde já se viu! - E seguiu falando, xiando e criando tantas teorias que a única saída seria concordar com ela.
- Tudo bem, senhora Maricota. Vamos ver a tal mala.
Quando chegaram ao local onde a mala tinha sido desovada, uma surpresa! Para desespero de Dona Maricota, a mala havia sumido! Evaporou-se no ar!
- Minha Virgem Santa! Cadê a mala? Estava bem aqui que eu vi!
- Calma que nós resolvemos isso num instante... É só perguntar pro vizinho da frente se ele sabe de alguma coisa...
- Deus me livre e guarde!
- Olha só... É só bater à porta...
- Jesus! - E correu corredor afora, entrando no seu apartamento e batendo a porta logo atrás. Mas é claro que apesar do medo, Dona Maricota não perderia esse encontro por nada. Grudou o rosto no olho mágico e atiçou os ouvidos. Dali, não conseguia ver muita coisa, mas pelo menos dava pra ouvir o que era dito.
- Oi, me falaram que tinha uma mala aqui no corredor e foram correndo me avisar... Não sabiam de quem era...
- .... é minha já peguei tens uns 15 min!
- Ahhh, tá... É que foram me avisar e falaram para eu vir ver o que era que tinha acontecido, então ta TUDO certo né!??
Mas é claro que não estava! Como poderia estar? Uma mala no corredor... Isso não está nada certo... Se ele já pegou, então é porque tem algo errado, com certeza! Tem que puxar mais conversa com esse moleque pra descobrir a verdade... - pensava Dona Maricota do outro lado da porta.
- Sim...
- Boa noite então, tá...
- Tá... - e fechou a porta para encerrar o assunto.
Irada com o desfecho morno dessa história dominical, Dona Maricota gritou consigo mesma:
- Síndica medrosa! Da próxima vez eu mesma baterei à porta desse desajustado para descobrir a verdade! Ah, se não vou!